sábado, 11 de dezembro de 2010

Zero


São três da manhã e deixo de existir.
Perco fios de cabelo.
Apodrecem os meus dentes.
Fico mais velho a cada dia.

As frases perdidas indicam o quanto não me encontro.

Por que estou acordado se prefiro dormir?
De olhos cerrados, procuro não pensar.
O sono é estendido ao máximo.
Ficar de olhos abertos, é ter esfregado na cara os meus objetivos cínicos.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Goela abaixo

De certa forma, atraso em relatar o fato, pois demorei a me indignar. Com certo delay, notei que pouco a pouco fui sendo abusado. Ninguém me perguntou nada. Para dizer a verdade, nessas horas nada é dito. Nada é conversado. Não há preliminares.

A boca foi o canal para tal profanação. Me empurraram, goela abaixo, uma nova ideia, que deveria passar a ser minha. Ao notar que ela não saia mais de forma natural, começou a desconfiança. Essa ideia é totalmente diferente das que costumo ter. A ideia é justamente fazer com que a minha idéia fique parecida com a dos outros.

A paranóia me fez crer que se tentavam padronizar a minha fala, também podem tentar o mesmo com meus pensamentos. Não rejeito um novo aprender, não prego o imobilismo, porém quero que a minha idéia mude de forma natural. Não quero parecer errado pelo simples fato de não concordar.

Nego, regurgito o máximo que puder. Permaneço antiquado. Transgrido com minhas idéias as normas que não me fazem sentido. Vomito de volta as palavras que não saem da minha boca.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Helena

Meu caro amigo,


Para mim é difícil saber que você está aí.
Onde também não queria ter estado.

Escrevo por não poder falar com você. Sei que também não vai ler. Escrevo quase que por escrever.

Sei como é difícil deitar e não ter um sono tranqüilo. Como é difícil aceitar a realidade.

Não poder fazer nada.

Por ruim que seja onde está, ainda é melhor do que onde você estava. Uma clausura às vezes bem vinda.

Você grita no vácuo. Ouve um eco repetitivo, ensurdecedor, mas que ninguém mais escuta.

A solução nunca é fácil.

Aprenda a ler as paredes. Ouça.
Entenda o mapa que deixei para fugir daí. Saia quando o enclausuramento começar a ser entendido como tal.

De resto, dê lembranças para Helena.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Não me lembro

Sol na cara. Boca seca. Cabeça latejando. A luz que entra pelo basculante do banheiro me fez acordar. Aproveito a proximidade com a privada e coloco o dedo na garganta. Não adianta, não tenho nada no estômago. Esfrego os olhos e tento saber de quem é o banheiro onde estou. Reconheço o tapete, mas não sei se é meu. Teve uma festa. Não convidei ninguém ou entrei de penetra? Me falta algo.

Caminho pela sala, vazia. Copos e garrafas espalhados por toda parte. Um vômito no sofá. Não fui eu. Não como camarão. O que será que perdi? Tateio os bolsos. Chave, bilhete usado de cinema, carteira, celular. A perda ainda me persegue.

A boca seca incomoda. Vou para a cozinha. A geladeira está aberta. Será minha? Não há nada lá dentro a não ser uma calcinha. Me lembro de um boquete. Descubro porque acordei no banheiro. Abro a torneira da pia e bebo uma água amarelada com gosto de ferrugem. A água bate e quer voltar por onde entrou. Volto para a sala. O lugar mais limpo é ao lado do vômito. Sento procurando não me sujar. Recosto a cabeça e fecho os olhos. O mundo cheirando a camarão azedo roda um pouco mais rápido. Lembro da perda. Faço uma recapitulação automática nos bolsos. Mesma ordem. Chave, bilhete de cinema, carteira, celular. Por sorte encontro um último cigarro amassado. Sorte? Não tenho fogo, não lembro se fumo ou não.

Penso no boquete. Loira, morena, negra, oriental... homem? Não tenho idéia. Lembro de uma prima minha que me dava tesão quando era adolescente. Abro a calça e penso em me masturbar. É uma boa idéia. Passo a mão pelos meus pentelhos, demoro a achar meu pau. Coloco as duas mãos por dentro da calça, me desespero. Descubro o que perdi. Puta que pariu. Terá sido a loira? A morena? A negra? A oriental? O homem?

Faço esforço para lembrar, mas a cabeça dói mais. Fico ofegante. Acho que vou vomitar. Com as calças arriadas até os tornozelos corro até o banheiro. Vomito na pia. Vejo o meu reflexo. A preocupação sobre a falta do pau vai embora. Lembrei que sou mulher.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

editorial do dia

Estabeleço um compromisso.

Uma dupla espécie de amarra: com o leitor e comigo mesmo.

Procrastino, já é ato confessado. Mas o escrever definitivamente me move. Nas temáticas mais absurdas, às vezes impostas, acho um prazer indescritível. É a pulsação da escrita e do desafio, o temor diante das críticas e o êxtase com acertos e erros.

Reconheço que deixei o blog de lado por motivos nobres. Pensar e praticar roteiros, artigos, ensaios, enfim, rodeios em torno das palavras.

Com o leitor é o compromisso de voltar, é a necessidade de retomar o meu espaço, continuar com a minha fuga incessante que me leva a lugar nenhum.

Comigo é por uma questão de sobrevivência. Sobrevivo do pensar acadêmico, mas não sobrevivo sem o livre pensar. Brinco com as amarras. Crio metas que me estrangulam fazendo respirar.

Volto.

Palavra.

sábado, 22 de maio de 2010

Um dia estranho

Escrevo e apago. Ouvir Bitches Brew do Miles Davis não está ajudando a criar uma progressão, portanto opto pela errância.

Um dia normal, um dia estranho.

Reflito e vejo que o aparentemente normal tinha um quê de anormalidade. Em determinado momento me senti um ser deslocado em meio a containers que chegaram do céu. Conhecia todos, mas não me comunicava com ninguém.

Os compromissos foram progressivamente ticados da agenda, alguns inclusive já pré-marcados para o dia seguinte.

A calma só vinha através da criação. Estranhamente organizada e necessária.

Contudo, com o início da noite o pensamento se voltou para a noite em si. Sexta-feira. Falta de opção não havia, porém também não havia a vontade.

Saio por insistência. Minha racionalidade geográfica me fez escolher o local mais próximo de casa. A saída e o retorno eram extremamente facilitados. Vários pontos de fuga.

A opção também implicava estar na companhia de amigos que me juntaram a outros amigos. Algo agradabilíssimo. Contudo, algo continuava errado, não houve ambientação possível. A agitação e os cheiros incomodavam. O ambiente sufocava. Precisava de ar.

A despedida foi quase na surdida ao mesmo tempo que buscava um anonimato para uma possível fuga.

A vontade era voltar para casa, escrever, exercer o meu direito de verborragia descontrolada e sem parâmetros. Se às vezes estar comigo mesmo é algo problemático, às vezes é uma necessidade.

Um dia estranho, ainda estranho. Ainda não terminou. Só o termino porque resolvo parar de escrever. O sono me impede de ser claro e inteligível. Ponto final.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A solidão de um domingo à tarde

Acordo hoje com uma espécie de sentimento de solidão. Não um sozinho em relação a um futuro distante, mas uma espécie de temor de se estar só, da solidão diária. A contradição é que tenho o que fazer, socialmente, academicamente, fisicalmente, mas esse sentimento, esse vazio é algo que me ata.

Um impulso que me faz ficar em casa. É algo que me prende, que me obriga. E que geralmente acontece em determinados finais de semana.

Ouço crianças brincando, suas vozes vêm da janela. Penso em aparecer e me apresentar. Entretanto, olho pela janela, mas não vejo nada. Apenas escuto o que talvez sejam os ecos da minha infância.

Há vários ruídos externos, passos que são dados acima da minha cabeça, risadas que vêm de fora. No entanto continuo só. Deixo a televisão ligada para ter companhia. É um filme digno de Sessão da Tarde em pleno domingo. Já o tinha visto antes. Quase como estar com um velho amigo, que conta a mesma história já contatada e que ao final me rouba um sorriso. Espero até o seu término para tirar um novo cochilo.

Talvez dormir me impeça de perceber o vazio. Quando acordo já é noite.

Penso em ligar para alguém, navego pela agenda do celular. Vislumbro várias opções, mas não tenho vontade. Não quero ficar sozinho, mas parece que me sujeito a isso por vontade própria. Faço apenas um telefonema de pelo menos dois programados e só consigo ser sucinto. Hoje é dia de conviver comigo mesmo.

Vagueio pelos quartos. Busco o que fazer, busco alguém, mas não há ninguém além de mim. A campainha toca. De início fico irritado, pois não estava esperando companhia, mas depois me desaponto por perceber que não era a minha campainha, mas sim a do vizinho.

Estou perto da porta. Sair seria uma solução, vagar por aí. Sem rumo. Buscando encontrar alguém na rua. Sabendo onde encontrar algum amigo que mora próximo. A ausência do Sol me incomodaria, a noite me incomodaria, encontrar alguém me incomodaria. O apartamento mesmo pequeno parece grande demais. Talvez sejam os poucos móveis. O pé direito é inatingível, mesmo tocando-o com um pulo. Não consigo alcançar a porta.

Tomo um banho já de noite e finalmente o dia parece começar.

Decido estar online. Distância que me permite falar, sem ser ouvido, apenas lido. Escrevo e leio por pelo menos uma hora, nada produtivo, mas tudo produtivo. Descubro um blog de um amigo. Leio alguns de seus textos. Intuitivos. Ando preso em tantas amarras que esqueço que esse era o meu principal objetivo.

Resolvo escrever, como antigamente, sem compromissos, sem formalismos. Apenas pensamentos fluindo em forma de uma prosa quase poética. De uma escrita sem forma encontrada e sem forma objetivada. Algo rápido, sem muita revisão. Com erros que se transformam em acertos.

Enfim, escrevo. Já posso dormir tranqüilo agora. O dia não foi tão vazio, afinal.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Feriado do caos

Rio de Janeiro dia 5 para o dia 6 de julho de 2010.

Sim, este post é extremamente datado. Quase um relatório do que vi de ontem para hoje. Os temporais, que antes pertenciam somente a São Paulo, chegam ao Rio de Janeiro.

Dezenove horas, começa uma chuva assustadora. Da janela do meu quarto percebo que a avenida que eu moro começa a perder as calçadas, aos poucos não há mais definição do que é rua e do que não é. Diga-se de passagem, não estou falando de uma rua, mas sim de uma avenida, algo que cabe tantos carros e não deveria nunca alagar.

O barulho da chuva no toldo avisa que a quantidade de água caindo e se mantendo nas ruas só tende a aumentar.

Vinte horas, decido por não sair de casa para uma aula. Não tenho barco. Os poucos carros que estão na rua procuram lugares altos para se protegerem tal como os animais em dias de temporal. Da minha árvore mais alta os observo com uma mistura de pena e alívio. Não queria estar no lugar deles.

Vinte e duas horas, nada da chuva melhorar. Aproveito para ler, ler muito. Estou municiado com uma lanterna e velas caso a luz resolva findar. Ela pisca, oscila, mas heroicamente sobreviveu a noite toda.

Meia-noite, continuo estudando. Mesmo com o toldo como “chuvômetro”, dou uma espiadela pela janela e vejo que a água não baixou, pelo contrário. Um carro, um golzinho, está na contramão completamente ilhado. Penso se o dono já abandonou o veículo ou se resolveu ficar por lá mesmo, torcendo para que a água não entre paulatinamente, uma espécie de Titanic em menor escala.

Duas horas da manhã, sim, eu durmo tarde e, às vezes, acordo cedo, termino minha leitura e ainda sem sono resolvo organizar coisas. Novamente ao olhar pela janela vejo o mesmo golzinho, símbolo do caos que está o Rio de Janeiro. A luz, finalmente, começa a se apresentar como uma ameaça aos meus eletroeletrônicos. Tiro tudo da tomada e vou tomar um banho para dormir.

Sete e pouca da manhã, acordo e olho pela janela. O mesmo golzinho na contramão ainda está lá. Descaso do dono? Talvez não, pois o pequeno Titanic ainda está ilhado. E o pouco de calçada que dá para se enxergar é só lama e sujeira.

Começam então os emails e as notícias para que a população fique em casa. Três aulas canceladas apenas hoje. Canceladas, quase que por recomendação da Defesa Civil.

Também por recomendação do Estado, volto a dormir, hoje é feriado. Acordo novamente às dez e vejo que o golzinho finalmente sumiu. As coisas estão melhorando, mas feriado decretado é feriado obedecido. Dificilmente sairei de casa. Esse é o feriado carioca, às vezes feriado decretado por traficantes, às vezes feriado decretado pelo Estado, e agora decretado pelo caos.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Carta de um amigo ou Bilhete encontrado no chão da Urca

Um amigo meu pediu pra publicar. Ele veio com um papo de que encontrou isso tudo escrito num guardanapo na Urca, meio que não é dele, que não é com ele. Como o blog anda muito parado e como é algo realmente sincero não tive como negar a publicação.

“Encontrar você me fez sentir necessidade de pedir desculpas por algo que não soube que aconteceu. Estava tão preocupado comigo mesmo, tão atarefado em me centrar que não sabia que havia te magoado. Desculpa, desculpa por um ano e meio atrás. Parte egoísmo, parte necessidade, fez-me afastar alguém que poderia ser muito importante na minha vida. Alguém que gostava de mim e eu não sabia. Não dá pra saber se duraria um mês, se duraria um ano, a vida toda, apenas sei que valeria a pena ter tentado. Não ter sido tão duro comigo e com você. Te encontrar novamente, olhar nos seus olhos, sem multidão, sem desvios, aflorou sentimentos que estavam guardados e que eu nem sabia mais que existiam. Demonstrou-me que ainda sinto algo por você e que a recíproca é verdadeira. Duro é não poder prometer nada. A utopia seria que você voltasse pra mim, que tentássemos de onde paramos. É utópico, mas também é algo inimaginável um sentimento de tanto tempo atrás voltar de uma hora pra outra, na troca de um olhar sincero, e foi isso que aconteceu. Não sei o que dizer. O que eu quero de verdade é algo que é muito complicado de pedir. Portanto, o que peço é que você pense. Pense em hoje e reflita se estar como estamos, separados, vale realmente a pena”.