sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Sexta-feira


Véspera de final de semana. Uma cervejinha após o expediente antes de arrumar a mudança. Emprego de merda. O álcool é quase uma necessidade. Envoltos em jornal, cada item frágil se torna mais resistente. As caixas de papelão se multiplicam na mesma proporção que os espaços vazios aparecem pela casa. Uma ponta perdida debaixo das almofadas. Nem vale a pena acender. As etiquetas de cada caixa indicam para onde elas devem ir. Quarto, sala, cozinha, lixo. Cada uma tem o seu destino apropriado.

Com as roupas de cama guardadas, decido dormir em um colchonete estendido no chão. Um cochilo já valerá a pena. Não sonho com nada. É sábado. A campainha não toca. Não há campainha. Ninguém bate na porta mesmo quando olho fixamente para ela. Horas se passam. O estômago reclama. Pego uma quentinha na esquina. A tampa vira talher. O papel alumínio amassado é colocado dentro de uma caixa. A etiqueta indica que são recordações de infância. Esquecimentos de toda uma vida.

Anoitece. Não apareceu ninguém. Abro uma das caixas para pegar roupa limpa. Mandei cortar a energia elétrica. Tomo um banho com o chuveiro desligado. Mesmo no calor, é um frio do caralho. Tenho que procurar onde guardei a roupa de cama.

Remonto parte da casa no domingo. Reinstalo o fogão. Monto a cama. Acomodo as camisas no armário para não amassar. Algumas caixas sobrevivem, outras acabam rasgadas, inúteis na sua função de transportar coisas. Dou corda no despertador mesmo o emprego sendo de merda.

Segunda-feira. Mando religarem a luz. Após o expediente, volto com duas cervejas em uma sacola. Trago também algumas caixas dobradas debaixo do braço. Faltam só cinco dias para a próxima sexta-feira.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Um bom 2011


As promessas de mudanças são a tônica da passagem do ano. No meu caso específico, além de escrever com mais frequência, seria um novo projeto de blog. Na minha cabeça, eu já havia fugido da história o bastante. Já daria para olhar para trás e ver que tudo não passava de um passado longínquo.

Ao medir o distanciamento, percebo que os grilhões ainda estão lá. Forço os punhos, forço os calcanhares e continuo preso. O sangue que escorre das minhas juntas prova que tenho limites. Não estou livre, as correntes só aumentaram de tamanho, mas de forma controlada. O espaço aumentou, mas continuo preso.

Tal como um animal em cativeiro, a primeira iniciativa é lutar, tentar se desvencilhar das amarras. São de aço. Não se rompem. A força aumenta ainda mais a dor, o sangue que brota. Percebo que é uma luta inútil. As correntes são esticadas apenas para que eu ache que sou livre. Para que eu possa fazer o show, entreter, mas sem me machucar ou machucar ninguém. Dou orgulho ao ser exibido.

Aparentemente sem solução, conformo-me em permanecer na minha cela. Não dou espetáculo. Permaneço inerte. Mal respiro. Os truques controlados não me divertem, apenas mostram o quanto estou preso, o quanto estou controlado. Com o controle não há real. Domado tanto faz em dormir a maior parte do tempo ou dançar para conseguir alguns trocados.

Não há promessas sinceras para 2011. Pulando sete ondas, descubro que a morte será lenta.