quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Pela janela

Olhando pela janela podemos ver de tudo.
Podemos sonhar, blasfemar, desejar, nos inspirar...


Mesmo com o tempo nublado, há sempre a possibilidade de acharmos algo com o que sonhar, algo para admirar.
Um pássaro que bate as asas contra o vento. Um menino que rasga o céu, planando por entre as nuvens.

O sonho do menino sempre foi sair voando pela janela, subir além da escuridão e ver a luz do sol.

Porém, ele é só um menino pobre, não tem parentes famosos, nem nasceu em berço de ouro.
Não pôde escolher uma vista bela e sacra através do mecenato de seus pais.
Já cumpriu todas as expectativas. Ninguém nunca deu nada por ele.

A vista da sua janela é a vista que, por enquanto, ele pode ver, os pássaros, o sol, tudo parece estar tão longe...
Voar ainda é só um sonho.
Devaneios que invadem sua mente.
Lembranças de lugares que freqüentou e que ouviu falar, mas que quer conhecer.

O menino quer ganhar o mundo, mas os grilhões são muito pesados, difíceis de arrastar, quanto mais os tirar do chão. Faz tanto esforço que seu corpo dói.
A chave do cadeado está ao seu lado, porém ela é ofertada em troca de sua alma. Em troca de tudo que ele acredita, em troca dos seus sonhos.

Não adianta, o menino não vai se vender.

Contudo, ele não se contenta em ficar só olhando pela janela. Preso. Algemado.
Com uma pequena serra, aos poucos, vai destruindo a corrente, sozinho, surpreendendo a todos, inclusive a ele mesmo.

É só um menino sonhador que também quer voar.

sábado, 18 de agosto de 2007

O amor sem cor



“Esquece o nosso amor, vê se esquece.
Porque tudo no mundo acontece
E acontece que eu já não sei mais amar.
Vai chorar, vai sofrer, e você não merece,
Mas isso acontece.
Acontece que o meu coração ficou frio

E o nosso ninho de amor está vazio.
Se eu ainda pudesse fingir que te amo,
Ah, se eu pudesse
Mas não quero, não devo fazê-lo,
Isso não acontece."
(Cartola – Acontece)


Primeiramente, peço perdão pela ousadia de citar Cartola, logo no início de um texto meu. Porém, é essa poesia/música que melhor expõe meus sentimentos sobre a vida, sobre o amor.

Somos todos descartáveis no amor.

Muitas vezes por culpa nossa, por excesso de egoísmo, por excesso de competição, por excesso de incompreensão... Tudo isso além das ausências: ausência de carinho, de ouvir o que a mulher amada tem a dizer, de atenção...

Conseguimos transformar um amor colorido em algo preto e branco, mas que foi perdendo as cores aos poucos e não nos demos conta.
Uma aquarela que perde suas nuances dia após dia...

Seremos nós, seres humanos, homens e mulheres, descartáveis por essência?
Pois conseguimos amar, tão intensamente e depois esquecer desse amor de uma hora para a outra...

Terá sido esse amor verdadeiro?

Usamos as pessoas tal como tínhamos o brinquedo preferido da infância.
Aquele que era o mais amado, o mais adorado, mas que se tornava obsoleto quando ganhávamos outro melhor, novo, diferente, as vezes até mais simples de se lidar...

E se substituímos esse brinquedo antigo e gasto por um novo, teremos sentido a verdade?

Falamos verdades no amor que se tornam mentiras tempos depois, já que somos capazes de falar, não necessariamente com as mesmas palavras, as mesmas verdades para diversas pessoas. Nós, seres humanos, conseguimos jurar amor eterno para várias pessoas ao longo de nossa vida, então, a única conclusão é que mentimos.

Um amor não pode sobrepujar o outro, a não ser que o anterior não tenha sido verdadeiro. E se o atual não for o último, ele também terá sido tão falso quanto todos os outros.

Recentemente, um amigo sábio que veio do Sul me fez uma homenagem:

“Se isso é uma doença
Todos vão adoecer.
Vacina que não cura,
Por amor eu vou morrer”.


Caro amigo, o que me preocupa atualmente é se vale a pena amar...
Se vale a pena correr o risco de ser descartado, ou cometer a ofensa de descartar a mulher amada algum tempo depois...

“Acontece que eu já não sei mais amar... o meu coração ficou frio...”
Ficou preto e branco e demorei para perceber.

domingo, 12 de agosto de 2007

Papai eu estou na cadeia

Papai eu estou na cadeia.
Eu gosto daqui.

É confortável.
Tenho cama, cobertores...
Me impedem de ferir as pessoas.
Me dão livros para ler.

Papai eu estou na cadeia.
Eu gosto daqui.

Como arroz e feijão todos os dias.
Ao mesmo tempo em que ninguém é culpado,
Todos são culpados por alguma coisa.
Estou entre meus iguais.

Papai eu estou na cadeia.
Eu gosto daqui.

Qual será o meu crime?
Hipocrisia? Mesquinharia? Cinismo? Já não lembro.
Não importa mais.
A sociedade já cuidou de mim.

Papai eu estou na cadeia.
Eu gosto daqui.

Ao invés de estudar, optei por puxar carros como o senhor sempre pediu.
Era o orgulho do senhor, eu era considerado “águia”.
Tornei-me bem visto na família.
Tal pai, tal filho.

Papai eu estou na cadeia.
Eu gosto daqui.

Você se safou, tinha advogados já preparados para isso.
Já eu não, não quis defensores pagos e hipócritas.
Encontrei a cadeia como refúgio.
Isolamento. Punição. Justiça. Perdão.

Papai eu estou na cadeia.
Eu gosto daqui.

Ninguém mexe comigo.
A maioria tem medo de mim.
Se assustam com meus remédios, com meus acessos de raiva.
Finalmente encontrei meu lar.

Papai eu estou na cadeia.
Eu gosto daqui.

Estou sozinho em minha cela.
Para proteção dos outros, meu banho de sol também é separado.
Recebo livros, filmes e cadernos para escrever...
As meninas de branco são todas minhas amigas.

Papai eu estou na cadeia.
Eu gosto daqui.

As paredes acolchoadas e brancas me passam calma.
Uma calma de espírito que não tenho há tempos.
Me fazem refletir sobre a vida...
Sobre a morte.

Papai eu estou na cadeia.
Eu gosto daqui.

* texto baseado numa animação antiga do “Liquid Television”...

terça-feira, 7 de agosto de 2007

O Sétimo Dia

Trágica partida inevitável que é a morte.

O que fazemos em vida trará conseqüências após nossa morte? Haverá um outro lado? De quem é a escolha?

Muitos, durante centenas de anos, já tentaram responder a essas perguntas.
Filósofos, pensadores, poetas, ébrios... - enfim, todos com o estado da mente alterado e apurado.

Com a partida de Bergman e Antonioni, essas questões ficaram permeando minha cabeça de forma ainda mais constante.
No sétimo dia do falecimento de Bergman, assisti “O Sétimo Selo”, filme que trata brilhantemente a relação de temor, aflição, espera, enfrentamento que temos com a Morte.


“Quero confessar com sinceridade, mas meu coração está vazio.
O vazio é um espelho que reflete no meu rosto.
Vejo minha própria imagem e sinto repugnância e medo.
Pela indiferença ao próximo, fui rejeitado por ele.
Vivo num mundo assombrado, fechado em minhas fantasias
(...)
Como podemos ter fé se não temos fé em nós mesmos?
O que acontecerá com aqueles que não querem ter fé ou não têm?”

A morte, personificada ou não, nos persegue durante toda nossa vida:
Durante um acidente o qual escapamos por pouco...
Durante uma doença que nos corrói por dentro e nos mata lentamente...
Durante a solidão que nos faz pedir maior velocidade e eficácia para a Morte...

A questão pertinente deixa de ser sobre o que haverá do outro lado, mas sim sobre como viveremos nossa vida “terrena”.
Sem a certeza do que acontecerá após a nossa morte, o mais certo é viver plenamente, pois não saberemos quando, como ou quão dolorosa será a partida desse mundo.
A não ser que esta seja questão de escolha.

Vivendo e decidindo nossa vida sem pensar em valores morais ou “ocidentais”, teremos dois possíveis finais:
Se estivermos errados, seremos meros pecadores, passíveis do perdão divino, se estivermos certos, teremos aproveitado nossa existência da melhor maneira possível.

Somente posso afirmar uma coisa, caso eu esteja errado, escolho ir para o lugar melhor freqüentado, com as melhores músicas e pessoas... - seja ele onde for.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Lunático Tarja Preta – Parte II

[Dor]

O dedo está no gatilho...

[Dor]

Uma gota de suor escorre pela sua testa. Mesmo com as diversas tarjas que encobrem sua mente, o bastardo consegue sentir o gosto amargo em sua boca...

[Dor]

Suor misturado com lágrimas...

[Desorientação]

Em um momento de lucidez, percebe que a arma não está nas mãos do seu inimigo, mas em suas próprias mãos.
Quem a colocou lá? Ninguém sabe... Talvez as circunstâncias, seu modo de viver, sua postura frente ao mundo... Ele é seu próprio inimigo, pois os cria e os alimenta com seu ódio.



[Dor]

Nem assim o canalha consegue ser original.
Isso já foi visto em vários filmes, porém agora é a vida real. É questão de opção.
A opção do Lunático Tarja Preta em terminar sua dor...

[Desorientação]

É a vida dele em jogo. É direito dele...
Agora é seu dedo no gatilho. Suas mãos tremem... Não sabe o que fazer, para onde ir, por quem pedir socorro...

[Dor]

Não há ninguém, a não ser ele mesmo. Não há para quem pedir ajuda... A dor de cabeça é insuportável.

[Dor]

Roleta russa, é apenas uma bala dentro do pente...
Tique-taque, passa o tempo e nada se resolve...
Cara ou coroa, tudo pode ser decidido numa questão de sorte...
Tique-taque, tique-taque, tique-taque...

[Dor]

Primeira tentativa, frustrada, seu dedo pressiona o gatilho e nada acontece...
Pressiona várias vezes em vão, até que resta a última bala no pente. Não tem como voltar atrás.
É agora ou nunca.

[Dor]

A última faixa do primeiro disco do “The wall” começa a tocar sozinha... É o sinal que o bastardo precisava.

Menos um filho da puta no mundo.

[Fim]